quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O Equador e uns palpites sobre o desenvolvimento


Equador foi uma grata surpresa. Em primeiro lugar porque encontrei um país muito, mas muito mais desenvolvido, bonito e organizado do que eu imaginava. Por sinal é um país muito do ajeitado.Ninguém fala do Equador ! A minha imagem de subdesenvolvimento se deve principalmente, lógico, à ignorância. Mas também a alguns preconceitos do nosso imaginário do que é desenvolvimento. Por exemplo: a moeda é o dolar. Eles dolarizaram a economia como "solução" para a super-inflação. Raciocínio: só pode ser uma paizinho merda, que não se dá ao respeito nem de manter a própria moeda, o Estado deve ser quase inexistente epresença do Estado na vida cotidiana. As cidades são super organizadas, no que diz respeito ao trânsito e aos cuidados urbanísticos. Todas as ruas têm placas com os nomes. Há sinalização por todos os lados. As calcadas, praças, jardins, canteiros são super bem cuidados.Tudo bonitinho. Dá pra ver que tem controle urbanístico: os prédios são mais ou menos todos do mesmo tamanho e tem certa harmonia. Em Quito, por sinal, a harmonia da arquitetura é um show. Todos prédios coloniais de três ou quatro andares, com sacadas no segundo andar, cores vivas, vasos de flores e telhados graciosos. Todos mais ou menos parecidos, nenhum excepcionalmente bonito. E são muitos. Preenchem todo o centro (antigo) da cidade. É por essa quantidade e harmonia que a cidade é bonita - é mesmo motivo que aumenta a graça de Paris.

É verdade que escrevo sobre um país que "conheci" em 4 dias e o pior é que saí com a impressão de ter entendido as coisas. Deve ser por isso que o Levi-Staruss diz que odeia as viagens e os viajantes, que, como eu, dão palpites sobre o que pensaram ter descoberto. Mas e daí, o grande barato da antropologia não vem, exatamente do valor da experiência particular ? Estado, descobri um belo país, totalmente desconhecido, que tem paisagens lindas nas montanhas, com muito verde, terras cultivadas e uma vegetação exuberante, como se a floresta amazônica tivesse se adaptado às altas montanhas. Nas cidades também há plantas para todos os lados e não são nada discretas. Se uma praça tem um jardim, o governo uma zona. Ledo engano! Até agora é o país que vi onde se nota a maior pode ter certeza que terá palmeiras majestosas, folhagens enormes, transbordando dos canteiros. E fazem um contraste interessante com a delicadeza da arquitetura.

Mas não é só o estado que é "desenvolvido". O país parece bem mais rico do que os anteriores (Peru e Bolívia). Têm casas bonitas, lojas mais de luxo, shopings, carroes, etc. E o contraste com a parte pobre me pareceu menor também - nesse caso o fato de ter ficado só 4 dias pode ser fatal - mas deu pra saber que muita gente sai do Peru para trabalhar e estudar no Equador. De quebra, Quito é uma cidade super animada, com um night fervilhante até mesmo ma terça-feira. Fiquei com a maior vontade de conhecer o litoral, que deve ser interessante.

Mas o que quer dizer desenvolvido? Não vou repetir o discurso que todo mundo já sabe ou devia saber da "crítica ao desenvolvimento" (com a qual concordo). Mas o que me chamou a atenção foram duas impressões contraditórias, mas que para mim, ambas fazem o mesmo sentido. A primeira impressão é de que, contra tudo o que sempre pensei, é possível que realmente haja uma espécie de caminho ou contínum que vai do menos ao mais desenvolvido. Acho que isso foi obra da globalização. Quase que "fatalmente" maior inserção nos circuitos globais corresponde a maior abundância e a níveis de vida mais confortáveis. Estar de fora dessa marcha é estar condenado a um monte de ausências ou carências - como a Bolívia. (essa é a sentença neo-liberal) A outra impressão (que nesse caso é também um pensamento) é de como é tolo acreditar que os fatores aspectos que consideramos como compondo uma sociedade desenvolvida possam ser universais ou mesmo que possam ser perfeitamente distinguidos e nominados. Que absurdo pensar que ter praças bonitinhas é um fator de desenvolvimento. Acho os jardins ingleses horríveis e não é por isso que acho a Inglaterra um país subdesenvolvido (por ser uma monarquia, usar um sistema métrico baseado nos dedos de um tirano filho da puta, dirigir pelo lado errado da rua, não ter um sistema público de saúde descente, sim). Comentários a parte, os ônibus serem umas latas velhas, o governo quase inexistente ou mesmo salários a um nível muito baixo, não são, necessariamente provas de subdesenvolvimento. Os peruanos chama de ótimos alguns ônibus que para mim são uma vergonha, embora os mesmos peruanos andem em carros muito melhores que o meu (e certamente chamariam o bom e velho escot de lata velha - uma injustiça). De alguma forma, cada um escolhe o que considera ou não importante.

O mais interessante é que esses dois pontos de vista não precisam ser, necessariamente, contraditórios (a não ser, é claro, se alguém quiser tirar as consequências ideológicas que os neo-liberais gostam de tirar da primeira parte). Na verdade, eles são simultâneos na vida. E esse é um grande barato da América Latina. Essa aparente contradição desordenada que funciona direitinho, apesar de todas as provas em contrário.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Catagena

Eu estava escrevendo sobre o Equador - uma grata surpresa - para tentar manter alguma coerência com o trajeto, mas depois de chegar a Cartagena de Índias, a capital clombiana do Caribe, escrever sobre qualquer outra cidade se tornou supérfluo. Não é exagero. Tudo bem, Rio e Paris ainda ganham... Mas Cartagena é o máximo.

Depois de casarem de terem seus saques saqueados pelos piratas, os colonizadores espanhóis resolveram transformar seu principal porto caribenho em uma cidade fortificada inexpugnável. As muralhas - enormes, potentes e até bonitas - continuam de pé. Além disso, rechearam com muito bom gosto a fortificação. Todo o centro antigo está preservado e, diga-se de passagem, eram casas que mereciam ser preservadas. Todas, realmente todas, as ruas da cidade antiga são lindas. É isso que faz uma cidade incrível. Não é um monumento, prédio ou museu bonito que faz um cidade ser interessante. É o bom gosto generalizado - e também certa dose de modéstia aos construtores, que aceitem fazer uma bela obra que mantenha a harmonia com as demais. E bom gosto é o que ao faltou aos construtores de Cartagena. Além disso, a maior parte das casas estão bem conservadas, mas não com "cores suvinil" - essas renovações em massa que pintam todas as fachadas aos mesmo tempo, fazendo com que a cidade pareça de plástico no início e depois todas fiquem decadentes ao mesmo tempo.

Além disso, a cidade é alegre! vibrante! animada! assim mesmo, com esse monte de pontos de exclamação. Oh gente simpática a colombiana! É impressionante. Volta e eu fico assustado e desconfio, achando que tanta simpatia deve ser para se duvidar, que a pessoa deve estar querendo dar um golpe. Nada. Coisa de paranóico. Um exemplo: desci do ônibus e uma menina - muito, muito gata - que tinha me visto falar com o condutor (em português é motorista, né?) literalmente me pegou pela mão e disse: vou te levar a um hotel. Pensei: a cachorra vai me roubar - se der sorte ela resolve me comer antes. Nada! Andou um tempão comigo, perguntou preços, pechinchou, etc. Maior simpatia. E isso é generalizado na Colômbia.

Voltando à cidade, eu cheguei de dia e, sem perceber, fiquei em um hotel no meio da zona da cidade (na "zona de baixo meretrício", como se dizia antigamente). E não é que até a zona é bonitinha! Além do centro, há pelo menos dois outros bairros "antigos". Não são tão ajeitados como o cento, mas também são lindos. Tem mais vida local e menos turistas pelas ruas. Na cidade, talvez no país, se ouve salsa por todo lado (na verdade, salsa, rumba, cúmbia e muitos outros ritmos que, se ou conseguir dançar todos do mesmo jeito, msmo que seja mal, já estou feliz).

Estou impressionado, é verdade.

Para poder falar mal de alguma coisa: a praia é uma merda, pelo menos a que eu fui. Mesmo sendo "mar do caribe" a água é turva, mauito mexida, a areia escura e tem milhoes de vendedores oferecendo barracas, cadeiras, etc que enchem o teu ouvido dizendo: "acá nadie te molesta". Lo veo...

Mas não tem o menor problema.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Sobre o Peru, Lima e outras coisas mais


Agora que percebi que não tinha escrito nada sobre o Peru. Talvez por medo de confessar que adorei o Peru e ser mal entendido. Mas é verdade, gostei mesmo. Não sei bem porque. É um país pobre, cheio de mazelas, muito mais que o Brasil (impressionante), tem picareta por todo lado, as cidades não são tão bonitas assim (dentre as que estive, Cusco, linda, é a excessao), mas não sei... fui com a cara. Acho que porque em parte parece o Brasil, principalmente o Brasil de uns 10 ou 15 anos atrás. Pela precariedade e bagunça de algumas coisas, pela pobreza, que é evidente para a maior parte da população e também porque sinto um clima de otimismo no ar (não importa que seja injustificado), como naquela época em que o Fernado Henrique vendeu o país a preço de banana e faturou um aumentozinho nos níveis de consumo durante uns anos.


¡O Peru Avança! Está escrito por toda parte, é a propaganda do governo. E seja lá o que deus quiser! Domingo passado todos os jornais comemoravam que eles assinaram o tratado de livre comércio com os EUA. Tem turista pra tudo quanto é lado. (Principalmente em Cusco - a impressão é que a cidade recebe 10 vezes mais turistas que o Rio - fui conferir e os números felizmente não dizem isso). Tem muamba pra tudo quanto é lado. Tem movimento nas ruas, os bares ficam abertos até tarde. A impressão que tenho é que as pessoas trabalham pra cacete. Todo mundo parece estar dando um jeito de levar a vida.

O país saiu de um período tenebroso, que misturou os desmando e gopes do Fujimori com a guerra contínua os entre governos e as guerrilhas do Tupac Amaru e Sendero Luminoso, que durou até 2000. Essa sensação, de estar melhorando, misturada ao orgulho peruano e ao agito sul americano da uma mistura interessante no ar.

Lima é um bom exemplo. A cidade não tem nada de mais, mas é interessante. Pelo menos eu gostei. Pra falar a verdade, gostei muito, não sei bem porque. A cidade eh enorme, não eh bonita, a praia é estranha, fica em baixo de um penhasco, tem pedrinhas no lugar da areia e a cidade não dá muita bola pra ela. A arquitetura não é grandes coisas. Os prédios antigos não são dos mais bonitos e estão misturado com um mote de outros mais ou menos modernos, quase todos feios.

Segui a sugestão do lonely planet e fugi do centro da cidade. fiquei hospedado em Miraflores, uma espécie de Leblon daqui, só que maior e, portanto, um pouco menos elitizado do que o nosso Leblon. É também mais simpático. O bairro parece não dar muita bola pra praia, mas aproveita o ventinho do mar. As ruas são largas, muitas tem árvores, prédios e casa compõem bem a paisagem, que não chega a ser bonita, mas é agradável. Não cheguei a sair, mas a night parece bem animada.

Acho que o que eu gostei foi dessa coisa que a gente sente no ar e chama com um monte de termos vagos, quase todo meteorológicos, como clima, ar, ambiente, atmosfera... É o Peru que avança!

Por sinal, não é a primeira vez que o Peru Avança. Dá pra ver nas ruas. Há Fords rabo de peixe e outros luxos de outros tempos circulando por aí. Mas tem também um "luxo" ou refinamento, que para nós é mínimo e que "não pegou". Só um exemplo: eles não emboçam as empenas cegas (deixam as laterirais dos prédios com os tijolos aparentes).

Esse tipo de coisa sempre foi o que eu mais gostei na geografia: que as cosas aparecem. Dá pra ver, andando em uma cidade, que ela teve períodos de maior ou menor crescimento, quais foram esses período, a riqueza relativa dos diferentes períodos, ou então quais são os locais da moda, quais são os lugares "suspeitos", de que crime eles são suspeitos... etc. A economia, os valores, a cultura, a lei a ordem social aparecem na geografia da cidade. Assim como as estruturas geológicas, os processos erosivos e os usos do solo aparecem na paisagem (fora da cidade). Ou será o contrário ? "Crescimento econômico" ou "períodos de maior abundância" são quando o PIB cresce a mais de x% ao ano ou quando aparecem carros novos na rua, quando se vê montes de materiais de construção nas calçadas e é uma dificuldade encontrar um bom pedreiro porque eles estão todos ocupados? Democracia é quando o sufrágio envolve a maior parte da população ou quando essa maior parte acha que o governo esta fazendo o que deve? [notem que nas minhas formulações do "mundo material" usei perspectivas bem conservadoras e passivas para a população. Crescer economicamente foi consumir e atuar politicamente foi não sentir-se aviltado pelo que os outros decidem em seu nome].

Bom , o negócio está começando apegar metafísica... melhor para por aqui.

Culinária


Até agora não tinha escrito nada das comidas. Talvez porque as da Bolívia em geral não convidem e eu tenha ficado ressabiado, talvez por preguiça mesmo. Mas o fato é que no Peru encontrei coisas que gostei muito. Em Lima matei minha saudade de ter uma cozinha e poder cozinhar. Finalmente pude comer um bife de verdade! Foi de verdade até demais. Comprei 400 gramas de carne argentina e preparei sem usar a faca - no ponto ideal: "jugoso".

Mas o melhor da cozinha Peruana, pelo menos que eu saiba, vem do mar e dessa maneira deliciosa de preparar as coisas que eles têm. Toda a comida é, em geral, muito picante. Mas não é qualquer picante. O Ceviche é o exemplo ideal. É extremamente picante e refreescante ao mesmo tempo. A mistura de limão, cebola e pimenta fermentada que cozinha, sem fogo, peixe e mariscos consegue ser, ao mesmo tempo, refrescante e queimar como fogo. ( E, quem me conhece, sabe que eu sou Baiano por adoçao em matéria de pimenta.) Essa combinação de sensações é, pelo que entendi, a principal característica da cozinha peruana. Tem umas sementinhas de milho, assadas e meio estufadinhas, mas antes de virar pipoca, que eles servem de aperitivo que também são ótimas.

Teve um dia que comprei conchas no supermercado e ficam ótimas (as "vieiras" ou "Coquille de St-Jacques" - as almejas ficaram uma merda). Por sinal, outro mérito da cozinha peruana. O Ceviche é a melhor forma de preparar as vieiras. Mantém toda a textura e suavidade originais. Aquele negócio vermelhinho que elas têm, que parece um fígado, fica um autêntico foi gras fresco. A mesma coisa acontece com o mexilhar, a lula e mesmo o peixe, que tem a vantagem sobre o japonês, de não ter de ser excelente para ficar uma delicia - coisa que no sashimi não existe. A bebida nacional, a Chicha Morada, não tem nada a ver, mas vai na mesma linha.

Em Lima eu achei tudo muito caro - também, fui ficar no "Leblon", em Miraflores. Mas aqui em Trujillo, uma cidade muito da sem graça, por sinal, os preços têm me deixado comer bem. Escrevo enquanto faço a digestão de um "fiesta del mar", prato com tudo que vem do mar que eles tinham no restaurante, que estava ótimo e custou uns 12 reais.

Outro aspecto importante da minha viagem culinária é que eu tenho um fraco: não posso ver um nome de comida que não conheça ou um prato anunciado como "típico" que eu como. Não perdoo. É a mesma coisa no supermercado. Comprei vários vegetais esquisitos e depois fiquei sem saber o que fazer com eles. Nessa mania de turista otário já comi um monte de porcaria nessa vida. Nesta viagem a pior foi sem dúvida o diabo do Cuy, um porquinho da índia super desenvolvido que eles comem aqui no Peru (ou pelo menos dão aos turistas otários). Em inglês o bicho se chama Guinea Pig e é a carne mais borrachuda, gordurosa e escaça que eu já comi. O pior é que era o prato mais caro do menu. Nessa linha também comi uma sobremesa que parecia um arroz doce feito com um genérico da quinua, que não estava assim tao mal, mas também não tinha graça e dezenas de pratos super apimentados. Mas já disse, sou naturalizado baiano.
Seguirei experimentando o que pintar.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Caminho Inca



Deslumbrante. Extenuante. Para mim são as duas melhores palavras para descrever essa "aventura". Dependendo do momento, uma e outra era a mais adequada. Machu Pichu no final é um presente merecido, para quem chega esgotado, dolorido e ensopado de chuva, suor ... sem cerveja. Adorei ter conseguido fazer, mesmo com o meu preparo físico, conquistado nas mesas dos botecos cariocas.

Fazer a trilha não faz sentido para quem não tem prazer com a atividade física da caminhada. As paisagens são bonitas, sim...maravilhosas, deslumbrantes, em alguns casos, mas por si só não valeriam o esforço. Se a caminhada for entendida como um preço a pagar para ver aquilo, ou para chegar a Machu-Pichu, eh melhor ir de trem . Sinceramente, dá para fazer trekings tão bonitos quanto esse na região da Ilha Grande, da Serra dos Órgãos ou Bocaina, na Chapada Diamantina, etc. Provavelmente serão menos cansativos e muito mais baratos. Mesmo assim, o caminho Inca é uma delícia e faz sentido ele ser o treking mais disputado do mundo. Em primeiro lugar pelas montanhas. Enormes, super inclinadas e cobertas por um vegetação deslumbrante, que vai da floresta sub-tropical aos campos de altitude, em um ambiente muito úmido que decora troncos e pedras com musgos e líquens de todos os tipos. Outro grande barato são as escadas e caminhos de pedra impecáveis, construídos pelos incas há mais de 500 anos, que se estendem por quase todo o caminho ( o "início" e o "final", perto de machu pichu foram construídos depois). Além disso, no caminho, volta e meia aparecem ruínas interessantes, que é difícil imaginar como foram parar ali.

O caminho na verdade é um "desvio", subindo as montanhas que sai e volta às margens do rio Urubamba . Imagino que a principal via de comunicação entre Machu-Pichu e as demais cidades do vale sagrado fosse pelo rio, e não pelo caminho inca. Por sinal, o Urubamba, o rio que construiu o Vale Sagrado dos Incas, pelos mapas que vi, nada mais é do que o Rio Amazonas. Será que eles sabiam que o seu vale sagrado era o vale do maior rio do mundo e que, se descessem todo o rio, iam chegar a outro oceano ? A propósito, o Vale Sagrado merece o nome. É lindíssimo. Os vales todos cultivados, divididos em quadradinhos formando um mosaico. Um monte de pueblitos muito simpáticos, um aqui outro ali. Muito verde, alguns pedaços de florestas e as encostas super inclinadas, algumas com a rocha aparente, a maioria coberta de vegetação. De brinde, de vez em quando se vê ao fundo um pico nevado. É uma região camponesa, mas não dá a impressão de ser muito pobre. Ao contrario, não sei se pela exuberância das plantações, tem um ar de comedida prosperidade.

De volta ao caminho, vamos à aventura. O primeiro dia é uma moleza, ônibus, almoço e uma caminhada leve de no máximo 4 horas. Dormimos num campo verdinho e fiquei horas olhando o céu e pensando como fui capaz de ficar tanto tempo sem acampar, sem estar no meio do mato... e muitas coisas mais. O segundo dia e muito, muito sinistro: uma subida de 1400 metros, saindo dos 2800 ate os 4.200... e esses últimos 200 metros são um sufoco. Depois uma ou duas horas de descida por uma escadaria de pedra. Você agradece por estar descendo, mas mesmo assim cansa. Eh extenuante, mas confesso que quando cheguei tinha uma deliciosa sensação de potencia. Sentia como se fosse capaz de fazer qualquer coisa. Como se pudesse comer a Madona, se quisesse. O terceiro dia eh mais leva, mas como vem depois do segundo... Acho que a gente desce uns 2000 metros pelas escadas de pedra. Não é cansativo como a subida, mas lá pela metade do caminho você não agüenta mais ver degrau. O legal é que tem varias ruínas. Segundo nosso guia, centros cerimoniais, religiosos e militares. Por sinal essa explicação servia para tudo. Essa gente não trabalhava? Só ficava rezando e arrumando confusão? Pelo menos o trabalho de colocar aqueles milhões de degraus no caminho eles tiveram... No terceiro dia chegamos "pertinho" de Machu Pichu, num local que tem chuveiro quente! Paguei uma fortuna (20 reais) por uma camiseta horrível, que estava limpa e seca. Tradicionalmente rola uma festinha ai, mas por alguma enrolação do nosso guia, fomos excluídos. Sinceramente, estávamos todos tão cansados que ninguém se importou muito. No dia seguinte, acordamos as 4 da manha para sir para Machu Pichu. Quem disse que era pertinho? Pertinho o cacete! São lá mais duas horas ou mais de caminhada em baixo de chuva. Da "janela do céu" - esses lugares têm todos os mesmos nomes - só se via nuvens. Cheguei a uma conclusão: Machu Pichu, de longe, é igual ah África vista de Gibraltar e ah serra Nevada, vista de Granada ... e `a parede do meu quarto, como disse um argentino. Depois as nuvens abriram um pouco e deu pra adivinhar que a cidade é um espetáculo.
Machu Pichu é realmente uma maravilha. Eh bem maior do que eu imaginava, maior do que as lindas cidades fortificadas da Europa, como Gruyere, Aix en Provance, etc. Pelo menos tão bonita como essas, com a graça da vegetação tropical, as montanhas deslumbrantes (mais ou menos como pães de açúcar tamanho gigante) e o clima Indiana Johnes que nem os milhares de turistas que andam de um lado pro outro conseguem apagar. O negocio esta muito bem cuidado - também eles cobram uma fortuna. A maior parte dos edifícios foi parcialmente reconstruída, mas não se nota a diferença.

Sabe as fotos famosas? É assim mesmo. Lindo.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

La Paz

La Paz é uma cidade interessante, bem interessante.
Não é propriamente bonita, mas é diferente de tudo o que eu já tinha visto - em vários sentidos. Em primeiro lugar pela "geografia", ou melhor dizendo, pelo sítio da cidade. Ela fica em um vale muuuito profundo, de vertentes muito íngremes, escavado em um planalto sedimentar. O resultado é que do centro, ou melhor, de qualquer lugar que você olhe a imagem é de uma parede de casas e prédios, subindo até onde começa o céu. Tudo fica mais impressionante porque eles tem o hábito de não emboçar as paredes, mesmo em prédios mais classe-média (os mais ricos ou comerciais são emboçados). Além disso, as encostas são acinzentadas e copletamente peladas, não cresce nem uma graminha. Então o paredão de cidade é quase todo da mesma cor marrom-acinzentado. Quase todas as ruas são estreitas e tem calçadas mais estreitas ainda. Parece feio e opressivo, não é? Mas na verdade não é nada disso. A paisagem tem sua beleza e a cidade é muito agradável. É até estranho, mas me senti completamente a vontade em La Paz. Gostei de andar pelas ruas, mesmo com a língua de fora nas ladeiras. "Esquecia" de pegar o ônibus e acabava tendo que andar muitas quadras.

Ao contrário do que é mais comum, em La Paz, os ricos vivem em baixo e os pobres em cima. Em cima mesmo. Primeiro tem aqueles que moram nas partes mais altas das ladeiras, depois tem a enorme cidade de El Alto, que fica no topo do planalto.
El Alto é completamente plana e enorme - pelo menos essa foi a minha impressão. Fui pra lá muito curioso, porque essa cidade tinha sido um dos principais pontos de organização dos movimentos populares em vários episódios anteriores à eleição do Evo(e responsáveis por ela) . Há, ou houve, uma forte organização por comitês barriales ou de quadra, que chegaram a estabelecer barricadas que isolaram o acesso à La Paz. Mas isso não se nota na paisagem - a não ser pelo símbolo da bola amarela com dois pinheirinhos na porta de vários estabelecimentos - indicando que trata-se de uma cooperativa. Além disso, fui visitar a cidade no domingo, quando tem a feira da 16 de julho - de lavada a maior feira que eu já vi. Tem de implementos agrícolas a colchoes, passando por tudo o que eu consegui imaginar (tá bom, não vi peças de avião). esqueçam todos os meus comentários precipitados sobre outros mercados que vendiam de tudo. Cheguei à feira e passei três horas andando, tentando descobrir onde era o final. Desisti e fui procurar o que me interessava. Me lembrei de uma expressão das aulas de geografia: hipertrofia do (setor) terciário. Nunca vi tanta barraquinha na vida. E, depois da chuva, ao fundo a impressionate paisagem do "cerros nevados" e do Ilimani ao fundo. A cidade é bem mais estruturada e aparentemente menos pobre do que eu imaginava.

No dia seguinte, fui ver os ricos. Descendo do centro, seguindo o eixo do Prado, primeiro está Sopocachi, um simpático bairro de classe média. Simpático mesmo, com prédios bonitinhos, bares, restaurantes e supermercados de melhor padrão... várias praças. Mas sem esnobação. Tudo bonitinho, mas sem luxo ou esnobismo. Pelo menos aos meu olhos cariocas.

Mais ao sul, passando uma "barreira geográfica", uma grande descida, onde praticamente só cabe a estrada, vem os bairros mais ricos. Padrão "suburb". Ruas arborizadas e casas. Alguns prédios baixos, comércio mais luxuoso e muitas, muitas cabines de seguranças. Mas, apesar disso, também não achei esnobe ou agressivo. O clima nas ruas é agradável, as pessoas se falam, há muitos vendedores com carrocinhas ou baldes de refresco . Chega a ser engraçado ver um a cholita vender o refresco que ela carrega em um balde, e serve em um saco plastico com canudinho, a uma senhora toda emperequetada. Também é notável a quantidade de mulheres com roupas tradicionais (Aymaras e Quechua), muito arrumadas, andando pelas ruas.

Podem ser só os meus olhos, mas fiquei impressionado com o fato da cidade ser muito menos partida do que as nossas. É "perfeitamente" segregada. Cada classe tem seu lugar. E aqui classe e "raça" tem uma correspondência muito forte. Mas me parece que não há a hostilidade e o "medo" que nossa "classe média" tem dos pobres.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A Coca Light e a Globalização

Até chegar a La Paz estava achando que a Bolívia era um país excluído da globalização.

Me sentia como o nosso colega Zênio, que, certa vez, saiu-se com essa para o Milton Santos: Professor, eu venho de Tombos, lá em Minas. Eu olho para um lado, para o outro e não consigo ver essa tal globalização que o senhor fala. O Meio técnico-científico-informacional ainda não chegou lá. A resposta do Milton Santos foi ótima: Olhe bem, meu filho, procure direitinho que você vai encontrar. Essa história já tem tempo suficiente para ter entendido que tanto em Tombos, como em qualquer lugar da Bolívia, a globalização já chegou faz tempo. E aqui, com consequência particularmente marcantes.

Mas o que eu Guilherme comentávamos antes era o quão significativo da profunda exclusão de todos os padrões globalizados de vida, consumo, cultura, circulação, direitos... é a ausência de alguns elementos que estamos acostumados na Bolívia. Por exemplo, a Coca Light! Não ter coca light significa não estar conectado, além da circulação de mercadorias e gostos, a um padrão estético e sexual de preocupação com o corpo, que inclui ou exclui, de um certo tipo de circulação de pessoas. Os bolivianos e bolivianas são gordinhos, comem toneladas de frituras, e não estão nem aí. No entanto, nas paredes de qualquer lugar, de repartição pública a mercearia, inevitavelmente há calendários enormes com mulheres peladas hiper-gostosas (além de brancas de olhos claros). Essas mulheres, assim como alguns ícones da televisão, são completamente diferente das pessoas que andam nas ruas. Muito mais do que a Xuxa e as paquitas eram um modelo violento para aqueles, especialmente negros, que compartilharam meus tempos de infância. Talvez sejam tão diferentes, que nem façam efeito.

Acho que era isso que me impressionava tanto na "exclusão da globalização" de que estava falando. A Bolívia está tao distante de tantos padrões hoje "globalizados" de organizaçao social, do estado, de consumo, de vida, etc. que não pode nem pensar em chegar neles. (Globalizados porra nenhuma, porque pelo menos um terço da população do planeta não deve nem ter ouvido falar neles.) Os peruanos e nós brasileiros vivemos macaqueando os padrões do ocidente, tentando chegar lá (e até chegamos...). A Bolívia nem se dá ao trabalho. Quer ver só: Ocidente e Oriente, aqui, são sinônimos de altiplano e da região amazônica e pré-amazônica do país.

Mas ao chegar em La Paz é outra história. Aqui a Globalização já chegou sim. Tem coca light, muitas vezes até gelada. As bebidas ficam guardadas na geladeira. Nos restaurantes e no comércio, os trabalhadores acham que estão prestando um serviço, falam com amabilidade e tentam agradar ao cliente (usam essa palavra, inclusive). Os casais se beijam na rua. Homens e mulheres usam roupas que tem a função de enfeitar e valorizar o recheio. Há academias. Tem Shopping! Ainda não vi Mc Donald, mas há redes de fast-food, como os Pollos Copacabana. As lojas tem nomes e algumas são de redes com várias filiais. O bairro de classe média tem cinema cult e ou universitários tem um jeito próprio de vestir e seus lugares favoritos de frequência. Bares tradicionais... Tem polícia na rua (pra todos os lados, por sinal), prédios públicos e nota-se a existência de vários tipos de "autoridades".

Honestamente, até aqui, não tinha visto nada disso no resto da Bolívia, a não ser ocasionalmente um ou outro elemento.

Isso sim é a Globalização! Comi até em um restaurante japonês hoje.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Salar de Uyuni

Os últimos acontecimentos foram tão impactantes que acabei esquecendo de escrever sobre a viagem ao Salar de Uyuni.

Foi fantástico. Acho que nunca na vida uma sequência de paisagens tão impressionante. Imagens lindas e inusitadas. Uma completamente diferente da outra. Não sei como é possível em tão pouco espaço.

A viagem ao Salar passa, na verdade, apenas o primeiro dia no Salar. É inacreditável. Nesta época do ano, o salar está cheio de água da chuva, formando um espelho razinho que vai até o horizonte. O resultado é que há dois horizontes e dois céus. Impressionante. E lindo. A primeira parada dá pra entender o que e o salar. O branco e o espelho d`água acabam com a noção de perspectiva - não dá pra saber direito o que é perto ou longe (nas fotos dá pra fazer várias brincadeirinhas).

Nossa excursão foi uma das poucas que encontramos que topavam ir até o meio do salar - la Isla del Pescado - com o salar cheio. Vamos em um 4X4 velhlhinho, mas com cara de guerreiro. Seis turistas - Eu, Gui, um casal sueco e um casal inglês - o motorista (ou melhor, guia, motorista e mecânico, como ele mesmo explicou) e a cozinheira, esposa do motorista. Dá pra ver que o conforto será mínimo. Rapidamente dá para entender porque a maioria das excursões (que têm carros mais novos) não quer ir até o meio do salar. Navegamos um mar de mais ou menos 20 centímetros de agua super salgada. Os vidros e toda a lataria do carro vão, aos poucos, ficando brancos. O camarada entra no salar, toma uma direção e segue, aparentemente sem nenhum ponto de referência. Anda umas duas horas em direção ao nada e chega à Ilha. É uma ilha mesmo. O Salar era um lago e a ilha já devia ser ilha. Uma morro vulcânico, coberto de cactos gigantes. Faz um contraste impressionante com o branco do salar.

Esse parte é um pouco mais alto e não há mais água, então dá pra entender como deve ser o salar na estação seca. Mais branco, mais infinito... Vê-se um vulcão com o topo nevado ao fundo.

Dizem que a melhor estação para visitar é o inverno, quando está seco, mas eu discordo. Tivemos as duas experiências, com e sem água. Depois do almoço seguimos... mais paisagens. Dormimos em Colcha-K, já fora do salar.Um Pueblozito que, no dia 4, ainda estava comemorando o Ano Novo. Uma Peña pela rua (tipo um bloco de carnaval) e festa no ginásio, que ouvimos até às 5 da manha.

No dia seguinte, seguimos para as "lagoas com flamingos". No caminho, o segundo pneu furado (foram 3 ao todo). Chegar à lagoa é incrível. Água completamente verde, a lagoa na base de um vulcão extinto e, como prometido, os flamingos. Lindo!

Depois dessa, serão mais três lagoas nesse dia. A última e mais esperada, a Laguna Colorada, é vermelha. Vermelha mesmos, não é photoshop! Fica a 4 mil e tantos metro de altitude e faz bastante frio. Tem milhares de flamingos e, caminhando na margem, nos misturamos a um rebanho de llamas. Oh bicho simpático! Meio esquisito, é verdade, mas muito simpático. Dormimos em um alojamento dentro do parque nacional.

Na manha seguinte acordamos às 4 para ir ao campo de Gueisers ver ´las fumarolas´ antes do nascer do sol. Até os suecos reclama do frio - menos dez, sem exagero. o vapor congela na parte de dentro dos vidros do carro. Mais imagens impressionantes.

Ao meio-dia deveríamos seguir para San Pedro de Atacama, no Chile, mas o ônibus já tinha saído. Mesmo com tudo contratado e combinado previamente, eu e Guilerme somos deixados no meio do nada - perto de mais uma lagoa deslumbrante, com um vulcão soberbo - com a promessa, muito duvidosa, de que um camarada da empresa de ônibus nos daria uma "carona" quando voltasse para casa. Esse é o padrao de qualidade boliviano para os serviços. Felizmente deu tudo certo, porque eu já estava imaginando como matar um flamingo para o jantar.

Apesar dos perrengues - não contei nada - foi, de longe, a melhor parte da viagem até agora. Tenho que postar fotos!

domingo, 11 de janeiro de 2009

É sim, lá em Acari...


Ontem entrei no Peru. Com duplo sentido, infelizmente. Roubaram minha mocila com tudo dentro. Escapou a mochilinha, com a câmera, cartoes de crédito, passaporte e metade da grana. Incrível a habilidade dos ladoes peruanos. Fui fazer xixi e deixei a mochila entre o micttório e a pia do banheiro, a poucos metros de mim, nos 20 segundos que relachei, um camarada consegui carregar aquele mochilao pesado, sem fazer barulho. Corri atrás, de calça aberta, mas nao adiantou. Fiquei com a roupa do corpo.

Passei o dia deprê. Sensaçao horrível de fragilidade. de estar sozinho e sujeito a vários perigos. Cheguei a pensar em abandonar a viagem (ou em encurtá-la), mas me convenci que ela só ficou mais cara. Ok. Todos me diziam que por aqui, infelizmente, isso é muito comum.

Bom, raciocínio (um pouco torpe) de sulamericano. Se roubam tanto os turistas, em algum lugar vendem as mercadorias. Para continuar a viagem, e principalmente para Machu-Pichu, precisava de algum equipamento. Um bom casaco, outro mais leve e algumas roupas. Bem, perguntando descobri o mercado Averino Cárceres, aqui em Arequipa. Na verdade, uma parte da cidade que tem dezenas de mercados, uns de alimentos, outros de muamba estilo Paraguay, até bem ajeitadinhos. Um desses mercados, ou seja, um camelódromo com várias barraquinhas padronizadas, é especializado em roupas usadas. "Impressionate" a qualidade das roupas vendidas, marcas americanas e européias... marcas de equipamentos de camping...Coisa fina! Com um pouquinho mais de 100 dólares, estou de volta ao caminho. Comprei uma mochila, um casaco bom tipo gore-tex, um bom pullover, um colete de polartec (Noth Face), 6 camisas e mais duas de manga comprida.
Seguindo o lema caminero:

Keep Walking.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

San Pedro de Atacama

Depois de sair do Salar de Uyuni San Pedro se torna um lugar insosso.
A cidade é uma gracinha. É um must turístico. Há 10 anos era um pueblo perdido no deserto e se tornou em um lugar visitado por gente de todo o mundo e está super na moda.

Por sinal, como é que se faz um lugar desses? As casas são todas do mesmo estilo - um estilo muito particular, por sinal - baixinhas, com tetos planos e a maioria com paredes de adobe. Quase todas são agências de turismo, pousadas restaurantes ou coisa parecida. As placas são sempre de madeira e, mais impressionante ainda, os preços, em todos os lugares, seguem o mesmo padrão. ¡Caríssimos!

Como pode ? Ninguém pratica uma concorrência "predatória", nem uma carrocinha de cachorro quente! É claro que há variações de preço, mas a padaria que vende frango assado tem um peço proporcional ao restaurante chiquezinho com ar despojado. Por sinal, como foi bom comer um ótimo prato de filé mingnon com molho de tomilho e tomar um bom vinho na minha despedida com o Guilherme! Essas coisas fazem falta na Bolívia.

Bem, mas as pessoas vão a San Pedro para fazer passeios e ver paisagens diferentes no deserto, salares, montanhas vulcânicas... Tudo isso se tornou medíocre perto da viagem pelo Salar de Uyuni. Juro que não é implicância... É verdade que eu implico - na verdade odeio, tenho raiva, deploro o turismo. Acho uma besteira, se não uma violência, esse negócio de ir andando de um lugar para o outro, tirando as fotos que o guia te manda tirar e exclamando oh!, como sao curiosos os bolivianos, brasileiros, alemães... É tratar o mundo como parque de diversões. Mas não é por nada disso que achei o a cidade do Atacama um passeio menor. É simplesmente porque as paisagens de Uyuni são tao fenomenais que depois disso, qualquer coisa parecida parece uma cópia apagada e sem brilho. Há, sim, uma tendência para te empurrar para esse tipo de turismo que eu deploro...mas isso não é grande novidade.

Potosí - Uyuni



Essa viagem foi no dia 2 de janeio, mas só agora consigo postar. É que em San Pedro, "la tarifa no hace gracia". Vou bagunçar a ordem dos posts desta viagem. Vim de Potosí para Uyuni, daí para San Pedro de Atacama e daí para Arica (litoral do Chile).

Sobre o caminho Potosí Uyuni, continuo aquilo que dizia antes sobre a "nossa sensibilidade": só conseguimos entender, achar graça, desejar, gostar aquilo que temos os termos para entender. Assim é que minhas aulas de geologia e geomorfologia de muitos anos atrás fizeram da paisagem da estrada Potosi-Uyuni um acontecimento maravilhoso. Não me pecam para explicar o significados das formas e os processos geológicos explicitados naquelas sequências geniais de camadas superpostas, dobramentos, fraturas e registros de erosão e deposição que povoavam o caminho. Mesmo que eu fosse um ótimo geólogo não poderia dar coerência a essa história toda só olhando da janela do ônibus, mas não importa. Adorei o que vi. É um barato ver a transiçao entre as paisagens numa descida de quase 2 mil metros, ainda mais com uma geologia tão explícita, onde as dobras nas camadas das rochas como que relembram a força daquelas montanhas. Tao impressionante com a gente que vive por alí. Vivem em uns pueblecitos mínimos; às vezes pedem para que o ônibus are no meio do nada - do nada mesmo e explicam que sua casa fica uns 6 kilômetros naquela direção. E aí vão eles, com malas, sacos de comida, toneladas nas costas.

Pra variar o ônibus era horrível. E um cheiro de cocô que nos acompanhou toda a viagem - além de dois franguinho que o menino do banco de trás trazia em uma caixinha. Antes de embarcar uma cena bonita: Um Cholita, com uma carrocinha em que vendia pêras, chega para outra e puxa papo em Quechua. Fiacam ali, ente uma frase e outra, se aproximando. Até que a primeira dá algumas perinhas à outra. Continuam a conversa... Um bocado depois, a segunda pega no seu carrinho (que eu ainda não tinha reparado) uns biscoitinhos e dá à primeira. Várias risadas!

Em Uyuni o cheiro de cocô ainda nos acompanhava .... era o meu sapato!

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Scucre e Potosi - ou esta nossa sensibilidade

Foi um alivio finalmente chegar uma cidade bonita, com "coisas para ver" e poder dar uma de turista, pelo menos um pouquinho. Sucre e Potossi são duas belas cidades cidades com estilo colonial espanhol, com casarões de paredes grossas, patios internos e telhas daquelas que dizem ter sido moldadas nas cochas dos escravos. Outras têm balcões de madeira projetados sobre a rua. Igrejas e prédios públicos imponentes e chamativos, praças interessantes. E museus! Ah, que alívio! Encarar a precariedade de tudo na Bolívia sem recompensas estava começando a ficar chato.

É engraçada essa nossa sensibilidade que está acostumada a achar bonito o que é familiar, parecido ao que estamos acostumados. O estilo colonial espanhol é alguma coisa que nos acostumamos a achar bonito. Austero e elegante, com linhas harmônicas que combinam arcos nas fachadas e alpendres, com portas e e janelas retangulares. Normalmente são econômicos nos adornos e a beleza está mesmo na combinação das paredes brancas com os telhados em tons terracota. A cidade tem várias pracinhas, ou em alguns pontos uma calçada mais larga com um jardim e uns banquinhos que vira uma praça. É, sem dúvida, a cidade ais bem cuidada que vimos na Bolívia - o que não exclui nenhuma das tosqueiras tradicionais, mas as ameniza. O mercado municipal é um bom exemplo: tem todo a amontoado de coisas e gente dos outros mercados, incluindo as bancadas de açougue com leitões esquartejados e dezenas de "restaurantes" que consistem basicamente em um fogão, uma pia e uma mesa grande onde se sentam os clientes (e a comida tinha uma cara ótima, mas não tive coragem de encarar). Apesar da confusão, é um lugar até agradável, o prédio de dois andares tem o teto alto, bastante ventilação e luz do dia. Para mim Sucre tem muitas coisas que lembram a Andalucía, pelo menos na arquitetura.

Uma das boas coisas da cidade é o Museu de Arte Indígena. Não é muio grande, mas parece ser um bom museu etnográfico, com explicações claras e interessantes, e fica em belo casarão colonial. Indígena significa uma coisa bem diferente na Bolívia daquilo que associamos no Brasil, não só pelo fato óbvio que os índios são outros. De fato acho que toda a população camponesa acaba sendo entendida como indígena aqui - o que parece fazer todo o sentido. Uma coisa interessante que aprendi no museu é que há um culto a "deuses - fetiches" , que são divindades que são reconhecidas em pedras (pedras aparentemente comuns, dessas da beira da estrada) e tem uma associação a elementos católicos, como por exemplo a "Mamasita Guadalupe". Ou seja, por alguma casualidade, algu´m descobre que dento de uma pedra vive um deus, e a partir daí esse deus é consultado para defnir o tratamento que receberá e, normalmente se estabelece uma culto a ele. A pera é pintada com a imagem do santo e ganha uma ermida. Curioso é que a principal igreja de Oruro - de la Virgen del Socavón - que tínhamos visitado antes é mais ou menos isso, embora ninguém fale e seja totalmente¨uma igreja católica, mas era antes uma ermida onde havia uma imagem da virgem pintada na pedra...

Já Potossi é outra coisa. É de onde saiu a maior parte da prata da América espanhola. Os prédios são mais suntuosos, não tem a mesma austeridade, são mais agressivos. Grossas grades de ferro e grandes portas de madeira,reforçadas. Várias casas tem portais de pedra, com colunas super decoradas. As ruas estreitas e as calçadas mais ainda.Pode até ser uma associação exagerada, mas a arquitetura dá uma ideia da intensidade e brutalidade que a exploração colonial teve aqui.

As minas estão na montanha acima da cidade e ainda funcionam, num sistema que dá medo, a 4700 metros de altitude (a cidade, a mais alta do mundo, está a 4060). São 150 buracos explorados da maneira mais tosca possível, por mineiros praticamente independentes que fazem parte de uma cooperativa. Pelo que entendi a cooperativa só serve para vender a produção e controlar a distribuição dos direitos de exploração de cada buraco. Os próprios mineiros compram os instrumentos de trabalho - inclusive dinamite que se vende sem nenhum controle nos mercadinhos de mineiros - e os membros da cooperativa sub-contatam peões para trabalhar com eles. Há um tour pela mina. Fomos todos paramentados, explodimos dinamite, e outras papagaiadas, mas valeu a pena para ter noção da precariedade que é aquilo.

De volta a cidade, apesar do frio, Potosí até que é bem animada. Tem gente andando pela rua o tempo todo e um monte de turistas (mochileiros). É uma cidade que tem vida. É bem bonita, apesar da maior arte dos prédios estar mal conservada e das ruas estreitas dificultarem um pouco que se admire a paisagem.

Pois é, mas todas essa belezas e interessâncias são coisas do repertório que estamos acostumados. Mas porque nao acho bonito ou consigo me aproximar mais de outras coisas da Bolívia? Honestamente, há um certo choque de costumes. O país é pobre e tudo é muito mais precário que no Brasil. Os serviços são muito ruins. Só um exemplo: não se vende a passagem dos ônibus intermunicipais a não ser no próprio dia da viagem. Às vezes perguntamos se haverá ônibus no dia seguinte a resposta foi: ainda não sabemos, passe amanha para ver. ( Me lembro do Gonçalo explicando que o nível de exclusão social está diretamente presente no prazo em que se planeja a vida. O catador de papel tralha, ganha e planeja para o mesmo dia, o executivo tem saláro anual.) Confeço que estou fazendo o maior esforço para simpatizar com as cholitas", para reconhecer beleza quando abrem um sorriso quando falamos com elas. As cholitas estão por todo lado, com suas saias de veludo brilhante e aqueles panos coloridíssimos fazendo de mochila, onde carregam de tudo - inclusive bebês, bem embrulhadinhos, que elas carregam da mesma forma que qualquer pacote. Mas para mim (ainda) é difícil entender ou gostar delas. Elas fedem - mistura de suor azedo com cheiro de fritura. Falam de uma maneira quase incompreensível - papazito, dáme platita para la comidita - e não fazem o menor esforço para ser simpáticas, mesmo quando estão vendendo alguma coisa. é, mas esses são mais julgamentos com os meus valores. É preciso relativizar, mas também os meus valores valem de alguma coisa!

Por fim uma coisa que me intriga: as cholitas estão por toda parte, mas por onde andam os "cholos" ?