Scucre e Potosi - ou esta nossa sensibilidade
Foi um alivio finalmente chegar uma cidade bonita, com "coisas para ver" e poder dar uma de turista, pelo menos um pouquinho. Sucre e Potossi são duas belas cidades cidades com estilo colonial espanhol, com casarões de paredes grossas, patios internos e telhas daquelas que dizem ter sido moldadas nas cochas dos escravos. Outras têm balcões de madeira projetados sobre a rua. Igrejas e prédios públicos imponentes e chamativos, praças interessantes. E museus! Ah, que alívio! Encarar a precariedade de tudo na Bolívia sem recompensas estava começando a ficar chato.
É engraçada essa nossa sensibilidade que está acostumada a achar bonito o que é familiar, parecido ao que estamos acostumados. O estilo colonial espanhol é alguma coisa que nos acostumamos a achar bonito. Austero e elegante, com linhas harmônicas que combinam arcos nas fachadas e alpendres, com portas e e janelas retangulares. Normalmente são econômicos nos adornos e a beleza está mesmo na combinação das paredes brancas com os telhados em tons terracota. A cidade tem várias pracinhas, ou em alguns pontos uma calçada mais larga com um jardim e uns banquinhos que vira uma praça. É, sem dúvida, a cidade ais bem cuidada que vimos na Bolívia - o que não exclui nenhuma das tosqueiras tradicionais, mas as ameniza. O mercado municipal é um bom exemplo: tem todo a amontoado de coisas e gente dos outros mercados, incluindo as bancadas de açougue com leitões esquartejados e dezenas de "restaurantes" que consistem basicamente em um fogão, uma pia e uma mesa grande onde se sentam os clientes (e a comida tinha uma cara ótima, mas não tive coragem de encarar). Apesar da confusão, é um lugar até agradável, o prédio de dois andares tem o teto alto, bastante ventilação e luz do dia. Para mim Sucre tem muitas coisas que lembram a Andalucía, pelo menos na arquitetura.
Uma das boas coisas da cidade é o Museu de Arte Indígena. Não é muio grande, mas parece ser um bom museu etnográfico, com explicações claras e interessantes, e fica em belo casarão colonial. Indígena significa uma coisa bem diferente na Bolívia daquilo que associamos no Brasil, não só pelo fato óbvio que os índios são outros. De fato acho que toda a população camponesa acaba sendo entendida como indígena aqui - o que parece fazer todo o sentido. Uma coisa interessante que aprendi no museu é que há um culto a "deuses - fetiches" , que são divindades que são reconhecidas em pedras (pedras aparentemente comuns, dessas da beira da estrada) e tem uma associação a elementos católicos, como por exemplo a "Mamasita Guadalupe". Ou seja, por alguma casualidade, algu´m descobre que dento de uma pedra vive um deus, e a partir daí esse deus é consultado para defnir o tratamento que receberá e, normalmente se estabelece uma culto a ele. A pera é pintada com a imagem do santo e ganha uma ermida. Curioso é que a principal igreja de Oruro - de la Virgen del Socavón - que tínhamos visitado antes é mais ou menos isso, embora ninguém fale e seja totalmente¨uma igreja católica, mas era antes uma ermida onde havia uma imagem da virgem pintada na pedra...
Já Potossi é outra coisa. É de onde saiu a maior parte da prata da América espanhola. Os prédios são mais suntuosos, não tem a mesma austeridade, são mais agressivos. Grossas grades de ferro e grandes portas de madeira,reforçadas. Várias casas tem portais de pedra, com colunas super decoradas. As ruas estreitas e as calçadas mais ainda.Pode até ser uma associação exagerada, mas a arquitetura dá uma ideia da intensidade e brutalidade que a exploração colonial teve aqui.
As minas estão na montanha acima da cidade e ainda funcionam, num sistema que dá medo, a 4700 metros de altitude (a cidade, a mais alta do mundo, está a 4060). São 150 buracos explorados da maneira mais tosca possível, por mineiros praticamente independentes que fazem parte de uma cooperativa. Pelo que entendi a cooperativa só serve para vender a produção e controlar a distribuição dos direitos de exploração de cada buraco. Os próprios mineiros compram os instrumentos de trabalho - inclusive dinamite que se vende sem nenhum controle nos mercadinhos de mineiros - e os membros da cooperativa sub-contatam peões para trabalhar com eles. Há um tour pela mina. Fomos todos paramentados, explodimos dinamite, e outras papagaiadas, mas valeu a pena para ter noção da precariedade que é aquilo.
De volta a cidade, apesar do frio, Potosí até que é bem animada. Tem gente andando pela rua o tempo todo e um monte de turistas (mochileiros). É uma cidade que tem vida. É bem bonita, apesar da maior arte dos prédios estar mal conservada e das ruas estreitas dificultarem um pouco que se admire a paisagem.
Pois é, mas todas essa belezas e interessâncias são coisas do repertório que estamos acostumados. Mas porque nao acho bonito ou consigo me aproximar mais de outras coisas da Bolívia? Honestamente, há um certo choque de costumes. O país é pobre e tudo é muito mais precário que no Brasil. Os serviços são muito ruins. Só um exemplo: não se vende a passagem dos ônibus intermunicipais a não ser no próprio dia da viagem. Às vezes perguntamos se haverá ônibus no dia seguinte a resposta foi: ainda não sabemos, passe amanha para ver. ( Me lembro do Gonçalo explicando que o nível de exclusão social está diretamente presente no prazo em que se planeja a vida. O catador de papel tralha, ganha e planeja para o mesmo dia, o executivo tem saláro anual.) Confeço que estou fazendo o maior esforço para simpatizar com as cholitas", para reconhecer beleza quando abrem um sorriso quando falamos com elas. As cholitas estão por todo lado, com suas saias de veludo brilhante e aqueles panos coloridíssimos fazendo de mochila, onde carregam de tudo - inclusive bebês, bem embrulhadinhos, que elas carregam da mesma forma que qualquer pacote. Mas para mim (ainda) é difícil entender ou gostar delas. Elas fedem - mistura de suor azedo com cheiro de fritura. Falam de uma maneira quase incompreensível - papazito, dáme platita para la comidita - e não fazem o menor esforço para ser simpáticas, mesmo quando estão vendendo alguma coisa. é, mas esses são mais julgamentos com os meus valores. É preciso relativizar, mas também os meus valores valem de alguma coisa!
Por fim uma coisa que me intriga: as cholitas estão por toda parte, mas por onde andam os "cholos" ?
Foi um alivio finalmente chegar uma cidade bonita, com "coisas para ver" e poder dar uma de turista, pelo menos um pouquinho. Sucre e Potossi são duas belas cidades cidades com estilo colonial espanhol, com casarões de paredes grossas, patios internos e telhas daquelas que dizem ter sido moldadas nas cochas dos escravos. Outras têm balcões de madeira projetados sobre a rua. Igrejas e prédios públicos imponentes e chamativos, praças interessantes. E museus! Ah, que alívio! Encarar a precariedade de tudo na Bolívia sem recompensas estava começando a ficar chato.
É engraçada essa nossa sensibilidade que está acostumada a achar bonito o que é familiar, parecido ao que estamos acostumados. O estilo colonial espanhol é alguma coisa que nos acostumamos a achar bonito. Austero e elegante, com linhas harmônicas que combinam arcos nas fachadas e alpendres, com portas e e janelas retangulares. Normalmente são econômicos nos adornos e a beleza está mesmo na combinação das paredes brancas com os telhados em tons terracota. A cidade tem várias pracinhas, ou em alguns pontos uma calçada mais larga com um jardim e uns banquinhos que vira uma praça. É, sem dúvida, a cidade ais bem cuidada que vimos na Bolívia - o que não exclui nenhuma das tosqueiras tradicionais, mas as ameniza. O mercado municipal é um bom exemplo: tem todo a amontoado de coisas e gente dos outros mercados, incluindo as bancadas de açougue com leitões esquartejados e dezenas de "restaurantes" que consistem basicamente em um fogão, uma pia e uma mesa grande onde se sentam os clientes (e a comida tinha uma cara ótima, mas não tive coragem de encarar). Apesar da confusão, é um lugar até agradável, o prédio de dois andares tem o teto alto, bastante ventilação e luz do dia. Para mim Sucre tem muitas coisas que lembram a Andalucía, pelo menos na arquitetura.
Uma das boas coisas da cidade é o Museu de Arte Indígena. Não é muio grande, mas parece ser um bom museu etnográfico, com explicações claras e interessantes, e fica em belo casarão colonial. Indígena significa uma coisa bem diferente na Bolívia daquilo que associamos no Brasil, não só pelo fato óbvio que os índios são outros. De fato acho que toda a população camponesa acaba sendo entendida como indígena aqui - o que parece fazer todo o sentido. Uma coisa interessante que aprendi no museu é que há um culto a "deuses - fetiches" , que são divindades que são reconhecidas em pedras (pedras aparentemente comuns, dessas da beira da estrada) e tem uma associação a elementos católicos, como por exemplo a "Mamasita Guadalupe". Ou seja, por alguma casualidade, algu´m descobre que dento de uma pedra vive um deus, e a partir daí esse deus é consultado para defnir o tratamento que receberá e, normalmente se estabelece uma culto a ele. A pera é pintada com a imagem do santo e ganha uma ermida. Curioso é que a principal igreja de Oruro - de la Virgen del Socavón - que tínhamos visitado antes é mais ou menos isso, embora ninguém fale e seja totalmente¨uma igreja católica, mas era antes uma ermida onde havia uma imagem da virgem pintada na pedra...
Já Potossi é outra coisa. É de onde saiu a maior parte da prata da América espanhola. Os prédios são mais suntuosos, não tem a mesma austeridade, são mais agressivos. Grossas grades de ferro e grandes portas de madeira,reforçadas. Várias casas tem portais de pedra, com colunas super decoradas. As ruas estreitas e as calçadas mais ainda.Pode até ser uma associação exagerada, mas a arquitetura dá uma ideia da intensidade e brutalidade que a exploração colonial teve aqui.
As minas estão na montanha acima da cidade e ainda funcionam, num sistema que dá medo, a 4700 metros de altitude (a cidade, a mais alta do mundo, está a 4060). São 150 buracos explorados da maneira mais tosca possível, por mineiros praticamente independentes que fazem parte de uma cooperativa. Pelo que entendi a cooperativa só serve para vender a produção e controlar a distribuição dos direitos de exploração de cada buraco. Os próprios mineiros compram os instrumentos de trabalho - inclusive dinamite que se vende sem nenhum controle nos mercadinhos de mineiros - e os membros da cooperativa sub-contatam peões para trabalhar com eles. Há um tour pela mina. Fomos todos paramentados, explodimos dinamite, e outras papagaiadas, mas valeu a pena para ter noção da precariedade que é aquilo.
De volta a cidade, apesar do frio, Potosí até que é bem animada. Tem gente andando pela rua o tempo todo e um monte de turistas (mochileiros). É uma cidade que tem vida. É bem bonita, apesar da maior arte dos prédios estar mal conservada e das ruas estreitas dificultarem um pouco que se admire a paisagem.
Pois é, mas todas essa belezas e interessâncias são coisas do repertório que estamos acostumados. Mas porque nao acho bonito ou consigo me aproximar mais de outras coisas da Bolívia? Honestamente, há um certo choque de costumes. O país é pobre e tudo é muito mais precário que no Brasil. Os serviços são muito ruins. Só um exemplo: não se vende a passagem dos ônibus intermunicipais a não ser no próprio dia da viagem. Às vezes perguntamos se haverá ônibus no dia seguinte a resposta foi: ainda não sabemos, passe amanha para ver. ( Me lembro do Gonçalo explicando que o nível de exclusão social está diretamente presente no prazo em que se planeja a vida. O catador de papel tralha, ganha e planeja para o mesmo dia, o executivo tem saláro anual.) Confeço que estou fazendo o maior esforço para simpatizar com as cholitas", para reconhecer beleza quando abrem um sorriso quando falamos com elas. As cholitas estão por todo lado, com suas saias de veludo brilhante e aqueles panos coloridíssimos fazendo de mochila, onde carregam de tudo - inclusive bebês, bem embrulhadinhos, que elas carregam da mesma forma que qualquer pacote. Mas para mim (ainda) é difícil entender ou gostar delas. Elas fedem - mistura de suor azedo com cheiro de fritura. Falam de uma maneira quase incompreensível - papazito, dáme platita para la comidita - e não fazem o menor esforço para ser simpáticas, mesmo quando estão vendendo alguma coisa. é, mas esses são mais julgamentos com os meus valores. É preciso relativizar, mas também os meus valores valem de alguma coisa!
Por fim uma coisa que me intriga: as cholitas estão por toda parte, mas por onde andam os "cholos" ?
Fala Johnny!!!
ResponderExcluirRapá, avisei que a Bolívia não é pra princiantes...a chapa é quente.
Espero que apesar dos perrengues vc esteja se amarrando. Depois conta aí sobre o Salar Yuni.
Soube que está no Chile. Isso deve ser Paris perto da Bolívia.
Um grande abraço pra vc e pro Gui,
Pedro Diogo