quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

La Paz

La Paz é uma cidade interessante, bem interessante.
Não é propriamente bonita, mas é diferente de tudo o que eu já tinha visto - em vários sentidos. Em primeiro lugar pela "geografia", ou melhor dizendo, pelo sítio da cidade. Ela fica em um vale muuuito profundo, de vertentes muito íngremes, escavado em um planalto sedimentar. O resultado é que do centro, ou melhor, de qualquer lugar que você olhe a imagem é de uma parede de casas e prédios, subindo até onde começa o céu. Tudo fica mais impressionante porque eles tem o hábito de não emboçar as paredes, mesmo em prédios mais classe-média (os mais ricos ou comerciais são emboçados). Além disso, as encostas são acinzentadas e copletamente peladas, não cresce nem uma graminha. Então o paredão de cidade é quase todo da mesma cor marrom-acinzentado. Quase todas as ruas são estreitas e tem calçadas mais estreitas ainda. Parece feio e opressivo, não é? Mas na verdade não é nada disso. A paisagem tem sua beleza e a cidade é muito agradável. É até estranho, mas me senti completamente a vontade em La Paz. Gostei de andar pelas ruas, mesmo com a língua de fora nas ladeiras. "Esquecia" de pegar o ônibus e acabava tendo que andar muitas quadras.

Ao contrário do que é mais comum, em La Paz, os ricos vivem em baixo e os pobres em cima. Em cima mesmo. Primeiro tem aqueles que moram nas partes mais altas das ladeiras, depois tem a enorme cidade de El Alto, que fica no topo do planalto.
El Alto é completamente plana e enorme - pelo menos essa foi a minha impressão. Fui pra lá muito curioso, porque essa cidade tinha sido um dos principais pontos de organização dos movimentos populares em vários episódios anteriores à eleição do Evo(e responsáveis por ela) . Há, ou houve, uma forte organização por comitês barriales ou de quadra, que chegaram a estabelecer barricadas que isolaram o acesso à La Paz. Mas isso não se nota na paisagem - a não ser pelo símbolo da bola amarela com dois pinheirinhos na porta de vários estabelecimentos - indicando que trata-se de uma cooperativa. Além disso, fui visitar a cidade no domingo, quando tem a feira da 16 de julho - de lavada a maior feira que eu já vi. Tem de implementos agrícolas a colchoes, passando por tudo o que eu consegui imaginar (tá bom, não vi peças de avião). esqueçam todos os meus comentários precipitados sobre outros mercados que vendiam de tudo. Cheguei à feira e passei três horas andando, tentando descobrir onde era o final. Desisti e fui procurar o que me interessava. Me lembrei de uma expressão das aulas de geografia: hipertrofia do (setor) terciário. Nunca vi tanta barraquinha na vida. E, depois da chuva, ao fundo a impressionate paisagem do "cerros nevados" e do Ilimani ao fundo. A cidade é bem mais estruturada e aparentemente menos pobre do que eu imaginava.

No dia seguinte, fui ver os ricos. Descendo do centro, seguindo o eixo do Prado, primeiro está Sopocachi, um simpático bairro de classe média. Simpático mesmo, com prédios bonitinhos, bares, restaurantes e supermercados de melhor padrão... várias praças. Mas sem esnobação. Tudo bonitinho, mas sem luxo ou esnobismo. Pelo menos aos meu olhos cariocas.

Mais ao sul, passando uma "barreira geográfica", uma grande descida, onde praticamente só cabe a estrada, vem os bairros mais ricos. Padrão "suburb". Ruas arborizadas e casas. Alguns prédios baixos, comércio mais luxuoso e muitas, muitas cabines de seguranças. Mas, apesar disso, também não achei esnobe ou agressivo. O clima nas ruas é agradável, as pessoas se falam, há muitos vendedores com carrocinhas ou baldes de refresco . Chega a ser engraçado ver um a cholita vender o refresco que ela carrega em um balde, e serve em um saco plastico com canudinho, a uma senhora toda emperequetada. Também é notável a quantidade de mulheres com roupas tradicionais (Aymaras e Quechua), muito arrumadas, andando pelas ruas.

Podem ser só os meus olhos, mas fiquei impressionado com o fato da cidade ser muito menos partida do que as nossas. É "perfeitamente" segregada. Cada classe tem seu lugar. E aqui classe e "raça" tem uma correspondência muito forte. Mas me parece que não há a hostilidade e o "medo" que nossa "classe média" tem dos pobres.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

A Coca Light e a Globalização

Até chegar a La Paz estava achando que a Bolívia era um país excluído da globalização.

Me sentia como o nosso colega Zênio, que, certa vez, saiu-se com essa para o Milton Santos: Professor, eu venho de Tombos, lá em Minas. Eu olho para um lado, para o outro e não consigo ver essa tal globalização que o senhor fala. O Meio técnico-científico-informacional ainda não chegou lá. A resposta do Milton Santos foi ótima: Olhe bem, meu filho, procure direitinho que você vai encontrar. Essa história já tem tempo suficiente para ter entendido que tanto em Tombos, como em qualquer lugar da Bolívia, a globalização já chegou faz tempo. E aqui, com consequência particularmente marcantes.

Mas o que eu Guilherme comentávamos antes era o quão significativo da profunda exclusão de todos os padrões globalizados de vida, consumo, cultura, circulação, direitos... é a ausência de alguns elementos que estamos acostumados na Bolívia. Por exemplo, a Coca Light! Não ter coca light significa não estar conectado, além da circulação de mercadorias e gostos, a um padrão estético e sexual de preocupação com o corpo, que inclui ou exclui, de um certo tipo de circulação de pessoas. Os bolivianos e bolivianas são gordinhos, comem toneladas de frituras, e não estão nem aí. No entanto, nas paredes de qualquer lugar, de repartição pública a mercearia, inevitavelmente há calendários enormes com mulheres peladas hiper-gostosas (além de brancas de olhos claros). Essas mulheres, assim como alguns ícones da televisão, são completamente diferente das pessoas que andam nas ruas. Muito mais do que a Xuxa e as paquitas eram um modelo violento para aqueles, especialmente negros, que compartilharam meus tempos de infância. Talvez sejam tão diferentes, que nem façam efeito.

Acho que era isso que me impressionava tanto na "exclusão da globalização" de que estava falando. A Bolívia está tao distante de tantos padrões hoje "globalizados" de organizaçao social, do estado, de consumo, de vida, etc. que não pode nem pensar em chegar neles. (Globalizados porra nenhuma, porque pelo menos um terço da população do planeta não deve nem ter ouvido falar neles.) Os peruanos e nós brasileiros vivemos macaqueando os padrões do ocidente, tentando chegar lá (e até chegamos...). A Bolívia nem se dá ao trabalho. Quer ver só: Ocidente e Oriente, aqui, são sinônimos de altiplano e da região amazônica e pré-amazônica do país.

Mas ao chegar em La Paz é outra história. Aqui a Globalização já chegou sim. Tem coca light, muitas vezes até gelada. As bebidas ficam guardadas na geladeira. Nos restaurantes e no comércio, os trabalhadores acham que estão prestando um serviço, falam com amabilidade e tentam agradar ao cliente (usam essa palavra, inclusive). Os casais se beijam na rua. Homens e mulheres usam roupas que tem a função de enfeitar e valorizar o recheio. Há academias. Tem Shopping! Ainda não vi Mc Donald, mas há redes de fast-food, como os Pollos Copacabana. As lojas tem nomes e algumas são de redes com várias filiais. O bairro de classe média tem cinema cult e ou universitários tem um jeito próprio de vestir e seus lugares favoritos de frequência. Bares tradicionais... Tem polícia na rua (pra todos os lados, por sinal), prédios públicos e nota-se a existência de vários tipos de "autoridades".

Honestamente, até aqui, não tinha visto nada disso no resto da Bolívia, a não ser ocasionalmente um ou outro elemento.

Isso sim é a Globalização! Comi até em um restaurante japonês hoje.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Salar de Uyuni

Os últimos acontecimentos foram tão impactantes que acabei esquecendo de escrever sobre a viagem ao Salar de Uyuni.

Foi fantástico. Acho que nunca na vida uma sequência de paisagens tão impressionante. Imagens lindas e inusitadas. Uma completamente diferente da outra. Não sei como é possível em tão pouco espaço.

A viagem ao Salar passa, na verdade, apenas o primeiro dia no Salar. É inacreditável. Nesta época do ano, o salar está cheio de água da chuva, formando um espelho razinho que vai até o horizonte. O resultado é que há dois horizontes e dois céus. Impressionante. E lindo. A primeira parada dá pra entender o que e o salar. O branco e o espelho d`água acabam com a noção de perspectiva - não dá pra saber direito o que é perto ou longe (nas fotos dá pra fazer várias brincadeirinhas).

Nossa excursão foi uma das poucas que encontramos que topavam ir até o meio do salar - la Isla del Pescado - com o salar cheio. Vamos em um 4X4 velhlhinho, mas com cara de guerreiro. Seis turistas - Eu, Gui, um casal sueco e um casal inglês - o motorista (ou melhor, guia, motorista e mecânico, como ele mesmo explicou) e a cozinheira, esposa do motorista. Dá pra ver que o conforto será mínimo. Rapidamente dá para entender porque a maioria das excursões (que têm carros mais novos) não quer ir até o meio do salar. Navegamos um mar de mais ou menos 20 centímetros de agua super salgada. Os vidros e toda a lataria do carro vão, aos poucos, ficando brancos. O camarada entra no salar, toma uma direção e segue, aparentemente sem nenhum ponto de referência. Anda umas duas horas em direção ao nada e chega à Ilha. É uma ilha mesmo. O Salar era um lago e a ilha já devia ser ilha. Uma morro vulcânico, coberto de cactos gigantes. Faz um contraste impressionante com o branco do salar.

Esse parte é um pouco mais alto e não há mais água, então dá pra entender como deve ser o salar na estação seca. Mais branco, mais infinito... Vê-se um vulcão com o topo nevado ao fundo.

Dizem que a melhor estação para visitar é o inverno, quando está seco, mas eu discordo. Tivemos as duas experiências, com e sem água. Depois do almoço seguimos... mais paisagens. Dormimos em Colcha-K, já fora do salar.Um Pueblozito que, no dia 4, ainda estava comemorando o Ano Novo. Uma Peña pela rua (tipo um bloco de carnaval) e festa no ginásio, que ouvimos até às 5 da manha.

No dia seguinte, seguimos para as "lagoas com flamingos". No caminho, o segundo pneu furado (foram 3 ao todo). Chegar à lagoa é incrível. Água completamente verde, a lagoa na base de um vulcão extinto e, como prometido, os flamingos. Lindo!

Depois dessa, serão mais três lagoas nesse dia. A última e mais esperada, a Laguna Colorada, é vermelha. Vermelha mesmos, não é photoshop! Fica a 4 mil e tantos metro de altitude e faz bastante frio. Tem milhares de flamingos e, caminhando na margem, nos misturamos a um rebanho de llamas. Oh bicho simpático! Meio esquisito, é verdade, mas muito simpático. Dormimos em um alojamento dentro do parque nacional.

Na manha seguinte acordamos às 4 para ir ao campo de Gueisers ver ´las fumarolas´ antes do nascer do sol. Até os suecos reclama do frio - menos dez, sem exagero. o vapor congela na parte de dentro dos vidros do carro. Mais imagens impressionantes.

Ao meio-dia deveríamos seguir para San Pedro de Atacama, no Chile, mas o ônibus já tinha saído. Mesmo com tudo contratado e combinado previamente, eu e Guilerme somos deixados no meio do nada - perto de mais uma lagoa deslumbrante, com um vulcão soberbo - com a promessa, muito duvidosa, de que um camarada da empresa de ônibus nos daria uma "carona" quando voltasse para casa. Esse é o padrao de qualidade boliviano para os serviços. Felizmente deu tudo certo, porque eu já estava imaginando como matar um flamingo para o jantar.

Apesar dos perrengues - não contei nada - foi, de longe, a melhor parte da viagem até agora. Tenho que postar fotos!

domingo, 11 de janeiro de 2009

É sim, lá em Acari...


Ontem entrei no Peru. Com duplo sentido, infelizmente. Roubaram minha mocila com tudo dentro. Escapou a mochilinha, com a câmera, cartoes de crédito, passaporte e metade da grana. Incrível a habilidade dos ladoes peruanos. Fui fazer xixi e deixei a mochila entre o micttório e a pia do banheiro, a poucos metros de mim, nos 20 segundos que relachei, um camarada consegui carregar aquele mochilao pesado, sem fazer barulho. Corri atrás, de calça aberta, mas nao adiantou. Fiquei com a roupa do corpo.

Passei o dia deprê. Sensaçao horrível de fragilidade. de estar sozinho e sujeito a vários perigos. Cheguei a pensar em abandonar a viagem (ou em encurtá-la), mas me convenci que ela só ficou mais cara. Ok. Todos me diziam que por aqui, infelizmente, isso é muito comum.

Bom, raciocínio (um pouco torpe) de sulamericano. Se roubam tanto os turistas, em algum lugar vendem as mercadorias. Para continuar a viagem, e principalmente para Machu-Pichu, precisava de algum equipamento. Um bom casaco, outro mais leve e algumas roupas. Bem, perguntando descobri o mercado Averino Cárceres, aqui em Arequipa. Na verdade, uma parte da cidade que tem dezenas de mercados, uns de alimentos, outros de muamba estilo Paraguay, até bem ajeitadinhos. Um desses mercados, ou seja, um camelódromo com várias barraquinhas padronizadas, é especializado em roupas usadas. "Impressionate" a qualidade das roupas vendidas, marcas americanas e européias... marcas de equipamentos de camping...Coisa fina! Com um pouquinho mais de 100 dólares, estou de volta ao caminho. Comprei uma mochila, um casaco bom tipo gore-tex, um bom pullover, um colete de polartec (Noth Face), 6 camisas e mais duas de manga comprida.
Seguindo o lema caminero:

Keep Walking.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

San Pedro de Atacama

Depois de sair do Salar de Uyuni San Pedro se torna um lugar insosso.
A cidade é uma gracinha. É um must turístico. Há 10 anos era um pueblo perdido no deserto e se tornou em um lugar visitado por gente de todo o mundo e está super na moda.

Por sinal, como é que se faz um lugar desses? As casas são todas do mesmo estilo - um estilo muito particular, por sinal - baixinhas, com tetos planos e a maioria com paredes de adobe. Quase todas são agências de turismo, pousadas restaurantes ou coisa parecida. As placas são sempre de madeira e, mais impressionante ainda, os preços, em todos os lugares, seguem o mesmo padrão. ¡Caríssimos!

Como pode ? Ninguém pratica uma concorrência "predatória", nem uma carrocinha de cachorro quente! É claro que há variações de preço, mas a padaria que vende frango assado tem um peço proporcional ao restaurante chiquezinho com ar despojado. Por sinal, como foi bom comer um ótimo prato de filé mingnon com molho de tomilho e tomar um bom vinho na minha despedida com o Guilherme! Essas coisas fazem falta na Bolívia.

Bem, mas as pessoas vão a San Pedro para fazer passeios e ver paisagens diferentes no deserto, salares, montanhas vulcânicas... Tudo isso se tornou medíocre perto da viagem pelo Salar de Uyuni. Juro que não é implicância... É verdade que eu implico - na verdade odeio, tenho raiva, deploro o turismo. Acho uma besteira, se não uma violência, esse negócio de ir andando de um lugar para o outro, tirando as fotos que o guia te manda tirar e exclamando oh!, como sao curiosos os bolivianos, brasileiros, alemães... É tratar o mundo como parque de diversões. Mas não é por nada disso que achei o a cidade do Atacama um passeio menor. É simplesmente porque as paisagens de Uyuni são tao fenomenais que depois disso, qualquer coisa parecida parece uma cópia apagada e sem brilho. Há, sim, uma tendência para te empurrar para esse tipo de turismo que eu deploro...mas isso não é grande novidade.

Potosí - Uyuni



Essa viagem foi no dia 2 de janeio, mas só agora consigo postar. É que em San Pedro, "la tarifa no hace gracia". Vou bagunçar a ordem dos posts desta viagem. Vim de Potosí para Uyuni, daí para San Pedro de Atacama e daí para Arica (litoral do Chile).

Sobre o caminho Potosí Uyuni, continuo aquilo que dizia antes sobre a "nossa sensibilidade": só conseguimos entender, achar graça, desejar, gostar aquilo que temos os termos para entender. Assim é que minhas aulas de geologia e geomorfologia de muitos anos atrás fizeram da paisagem da estrada Potosi-Uyuni um acontecimento maravilhoso. Não me pecam para explicar o significados das formas e os processos geológicos explicitados naquelas sequências geniais de camadas superpostas, dobramentos, fraturas e registros de erosão e deposição que povoavam o caminho. Mesmo que eu fosse um ótimo geólogo não poderia dar coerência a essa história toda só olhando da janela do ônibus, mas não importa. Adorei o que vi. É um barato ver a transiçao entre as paisagens numa descida de quase 2 mil metros, ainda mais com uma geologia tão explícita, onde as dobras nas camadas das rochas como que relembram a força daquelas montanhas. Tao impressionante com a gente que vive por alí. Vivem em uns pueblecitos mínimos; às vezes pedem para que o ônibus are no meio do nada - do nada mesmo e explicam que sua casa fica uns 6 kilômetros naquela direção. E aí vão eles, com malas, sacos de comida, toneladas nas costas.

Pra variar o ônibus era horrível. E um cheiro de cocô que nos acompanhou toda a viagem - além de dois franguinho que o menino do banco de trás trazia em uma caixinha. Antes de embarcar uma cena bonita: Um Cholita, com uma carrocinha em que vendia pêras, chega para outra e puxa papo em Quechua. Fiacam ali, ente uma frase e outra, se aproximando. Até que a primeira dá algumas perinhas à outra. Continuam a conversa... Um bocado depois, a segunda pega no seu carrinho (que eu ainda não tinha reparado) uns biscoitinhos e dá à primeira. Várias risadas!

Em Uyuni o cheiro de cocô ainda nos acompanhava .... era o meu sapato!

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Scucre e Potosi - ou esta nossa sensibilidade

Foi um alivio finalmente chegar uma cidade bonita, com "coisas para ver" e poder dar uma de turista, pelo menos um pouquinho. Sucre e Potossi são duas belas cidades cidades com estilo colonial espanhol, com casarões de paredes grossas, patios internos e telhas daquelas que dizem ter sido moldadas nas cochas dos escravos. Outras têm balcões de madeira projetados sobre a rua. Igrejas e prédios públicos imponentes e chamativos, praças interessantes. E museus! Ah, que alívio! Encarar a precariedade de tudo na Bolívia sem recompensas estava começando a ficar chato.

É engraçada essa nossa sensibilidade que está acostumada a achar bonito o que é familiar, parecido ao que estamos acostumados. O estilo colonial espanhol é alguma coisa que nos acostumamos a achar bonito. Austero e elegante, com linhas harmônicas que combinam arcos nas fachadas e alpendres, com portas e e janelas retangulares. Normalmente são econômicos nos adornos e a beleza está mesmo na combinação das paredes brancas com os telhados em tons terracota. A cidade tem várias pracinhas, ou em alguns pontos uma calçada mais larga com um jardim e uns banquinhos que vira uma praça. É, sem dúvida, a cidade ais bem cuidada que vimos na Bolívia - o que não exclui nenhuma das tosqueiras tradicionais, mas as ameniza. O mercado municipal é um bom exemplo: tem todo a amontoado de coisas e gente dos outros mercados, incluindo as bancadas de açougue com leitões esquartejados e dezenas de "restaurantes" que consistem basicamente em um fogão, uma pia e uma mesa grande onde se sentam os clientes (e a comida tinha uma cara ótima, mas não tive coragem de encarar). Apesar da confusão, é um lugar até agradável, o prédio de dois andares tem o teto alto, bastante ventilação e luz do dia. Para mim Sucre tem muitas coisas que lembram a Andalucía, pelo menos na arquitetura.

Uma das boas coisas da cidade é o Museu de Arte Indígena. Não é muio grande, mas parece ser um bom museu etnográfico, com explicações claras e interessantes, e fica em belo casarão colonial. Indígena significa uma coisa bem diferente na Bolívia daquilo que associamos no Brasil, não só pelo fato óbvio que os índios são outros. De fato acho que toda a população camponesa acaba sendo entendida como indígena aqui - o que parece fazer todo o sentido. Uma coisa interessante que aprendi no museu é que há um culto a "deuses - fetiches" , que são divindades que são reconhecidas em pedras (pedras aparentemente comuns, dessas da beira da estrada) e tem uma associação a elementos católicos, como por exemplo a "Mamasita Guadalupe". Ou seja, por alguma casualidade, algu´m descobre que dento de uma pedra vive um deus, e a partir daí esse deus é consultado para defnir o tratamento que receberá e, normalmente se estabelece uma culto a ele. A pera é pintada com a imagem do santo e ganha uma ermida. Curioso é que a principal igreja de Oruro - de la Virgen del Socavón - que tínhamos visitado antes é mais ou menos isso, embora ninguém fale e seja totalmente¨uma igreja católica, mas era antes uma ermida onde havia uma imagem da virgem pintada na pedra...

Já Potossi é outra coisa. É de onde saiu a maior parte da prata da América espanhola. Os prédios são mais suntuosos, não tem a mesma austeridade, são mais agressivos. Grossas grades de ferro e grandes portas de madeira,reforçadas. Várias casas tem portais de pedra, com colunas super decoradas. As ruas estreitas e as calçadas mais ainda.Pode até ser uma associação exagerada, mas a arquitetura dá uma ideia da intensidade e brutalidade que a exploração colonial teve aqui.

As minas estão na montanha acima da cidade e ainda funcionam, num sistema que dá medo, a 4700 metros de altitude (a cidade, a mais alta do mundo, está a 4060). São 150 buracos explorados da maneira mais tosca possível, por mineiros praticamente independentes que fazem parte de uma cooperativa. Pelo que entendi a cooperativa só serve para vender a produção e controlar a distribuição dos direitos de exploração de cada buraco. Os próprios mineiros compram os instrumentos de trabalho - inclusive dinamite que se vende sem nenhum controle nos mercadinhos de mineiros - e os membros da cooperativa sub-contatam peões para trabalhar com eles. Há um tour pela mina. Fomos todos paramentados, explodimos dinamite, e outras papagaiadas, mas valeu a pena para ter noção da precariedade que é aquilo.

De volta a cidade, apesar do frio, Potosí até que é bem animada. Tem gente andando pela rua o tempo todo e um monte de turistas (mochileiros). É uma cidade que tem vida. É bem bonita, apesar da maior arte dos prédios estar mal conservada e das ruas estreitas dificultarem um pouco que se admire a paisagem.

Pois é, mas todas essa belezas e interessâncias são coisas do repertório que estamos acostumados. Mas porque nao acho bonito ou consigo me aproximar mais de outras coisas da Bolívia? Honestamente, há um certo choque de costumes. O país é pobre e tudo é muito mais precário que no Brasil. Os serviços são muito ruins. Só um exemplo: não se vende a passagem dos ônibus intermunicipais a não ser no próprio dia da viagem. Às vezes perguntamos se haverá ônibus no dia seguinte a resposta foi: ainda não sabemos, passe amanha para ver. ( Me lembro do Gonçalo explicando que o nível de exclusão social está diretamente presente no prazo em que se planeja a vida. O catador de papel tralha, ganha e planeja para o mesmo dia, o executivo tem saláro anual.) Confeço que estou fazendo o maior esforço para simpatizar com as cholitas", para reconhecer beleza quando abrem um sorriso quando falamos com elas. As cholitas estão por todo lado, com suas saias de veludo brilhante e aqueles panos coloridíssimos fazendo de mochila, onde carregam de tudo - inclusive bebês, bem embrulhadinhos, que elas carregam da mesma forma que qualquer pacote. Mas para mim (ainda) é difícil entender ou gostar delas. Elas fedem - mistura de suor azedo com cheiro de fritura. Falam de uma maneira quase incompreensível - papazito, dáme platita para la comidita - e não fazem o menor esforço para ser simpáticas, mesmo quando estão vendendo alguma coisa. é, mas esses são mais julgamentos com os meus valores. É preciso relativizar, mas também os meus valores valem de alguma coisa!

Por fim uma coisa que me intriga: as cholitas estão por toda parte, mas por onde andam os "cholos" ?