Me filiei ao PT em 2006, mas na verdade meu pedido de filiação foi feito em 2002, quando passei um ano estudando e vivendo uma das coisas mais bonitas que esse partido já fez: o movimento popular de Porto Alegre. Foi o movimento popular que fez o PT de PoA, que fez Olívio prefeito, que mudou o conceito de democracia com o Orçamento participativo. Dediquei esse ano e muitos outros momentos da vida a tentar entender e participar daquele que já foi o partido mais original e generoso da história das esquerdas e da luta dos trabalhadores – veja-se a declaração de princípios da época da fundação do partido. Sempre fui petista de carteirinha, acho que desde 89, quando, com 12 anos, ouvi o Lula falar na Presidente Vargas, que o problema do seu governo não seria produzir mais ou menas laranja, mas colocar mais laranja na mesa do trabalhador. Não tenho mais a carteirinha porque ela foi roubada ano passado: prenúncio do que estava por vir.
Hoje Dilma nomeou Marcelo Crivella como ministro. Não foi a gota d’água. Não acredito em gotas d’água. Quem quer mudar o mundo não pode se deixar abater por qualquer coisinha. O que importa não é qualquer gota d’água, mas o pinga-pinga constante, pelo qual se esvai a esperança de que esse governo tenha qualquer objetivo de combater as formas de dominação que tentam submeter a maior parte da vida, criatividade e felicidade da maioria das pessoas aos interesses (e provavelmente também riqueza e felicidade) de uns poucos.
Crivella é só mais uma confirmação das escolhas que o governo tem feito. Da opção covarde e genocida de passar a condenar o aborto durante a campanha eleitoral, para não perder votos. De demonizar os consumidores de crack entregando-os a clínicas de reabilitação administradas por auto-proclamados exorcistas das igrejas universais da vida, junto com 4 bilhões do ministério da saúde. De abandonar a agenda dos direitos das mulheres, dos homossexuais, dos negros, índios, moradores de favelas ou sem-terra, ou seja, da imensa maioria da população brasileira em prol de acordos com grupos bem consolidados de interesse (e lobby) que podem garantir votos certos e recursos faros. Neste caso, não importa que muitos dos brasileiros sejam crentes e não vejam problema algum nas opções tomadas pelo governo. A democracia não consiste em fazer valer a vontade da maioria. Democracia é impedir que os interesses mais consolidados e poderosos, como o interesse econômico, por exemplo, impeçam outras pessoas, grupos e interesses de agir e disputar espaço na sociedade.
Há algum tempo tinha notado a diferença na logomarca do governo federal. No governo anterior, o símbolo era a palavra BRASIL, cada letra de uma cor, o fundo também colorido e vários símbolos desenhados por cima. O novo governo manteve a diagramação, mas transformou todas as cores em verde e amarelo. Acho essa uma boa síntese da diferença entre os governos Dilma e Lula – e do porquê escrevo esta carta. O Brasil do Lula tinha muitas cores, muitos caminhos, muitas contradições e tensões. Tinha Gil como ministro e Sarney como aliado. Este Brasil da Dilma parece que não. Parece que a última mudança de governo quis apagar as muitas cores do Brasil e impor o totalitarismo de um verde-e-amarelo que não deixa de lembrar o ame-o ou deixe-o. O Brasil de Dilma tem um só objetivo: garantir a manutenção dos níveis de crescimento econômico para, assim, erradicar a miséria.
Pode até ser um objetivo nobre, mas, me perdoe, eu e o Brasil somos muito mais do que isso. Ousamos mais do que isso. Não é digno do Brasil a covardia de demitir à primeira hora o técnico do ministério da justiça que declarou-se favorável à legalização da maconha e só demitir o ministro ultra-conservador que ocupava a pasta quando esse assumiu conflito aberto com o governo. A covardia de demitir um ministro a cada vez que a imprensa golpista aponta um indício de “corrupção” e manter exatamente os mesmos acordos e grupos no controle dos ministérios. O caso mais grave foi o do ministério das cidades, onde, depois do massacre de Pinheirinho, o Ministro “malfeitor” foi substituído por outro, igualzinho, do mesmo partido, representante do capital imobiliário e das empreiteiras. Nem parece que foi no PT que nasceu o Movimento Nacional Pela Reforma Urbana. A presidenta, tirando onda de socialista de meia-tigela em Cuba, recriminou o massacre, mas nada fez para impedi-lo ou para remediar a situação depois do ocorrido. As tropas de choque federais movem-se rapidamente para reprimir protestos dos índios em Belo Monte, dos PMs em Salvador ou ocupar favelas no Rio, mas não fazem nada para impedir os excesso de brutalidade institucionalizada nas mãos dos conservadores ou das milícias. Outras tropas de choque, de advogados, técnicos e lobistas, movem-se rapidamente para viabilizar licenciamentos ambientais contestáveis, acordos escusos no congresso e na CBF. O Ministério da Cultura está fechando os Pontos de Cultura espalhados pelo Brasil para pagar copyright© até para quem não cobrou. O Ministério das Comunicações criou o Plano Nacional de Banda Larga que é ótimo para os provedores de banda larga. A Caixa (que é depositária das contas de FGTS) agora vende plano de saúde, e o orçamento do SUS é o primeiro a ser cortado. E ainda tem os mais-que-aliados do Rio, Cabral e Paes.
Parece mesmo que a política tem sempre dois lados. E o governo Dilma já escolheu de que lado está. Definitivamente, a bela frase do Chico, dizendo que Lula não falava fino com Washington e nem grosso com a Bolívia e o Paraguai, se inverteu. Dilma fala fino com os poderosos e grosso com os trabalhadores.
Sinceramente, quem deve se desfiliar do PT não sou eu, é a Dilma.
Dilma, você não é do Partido dos Trabalhadores. Dilma, fora do PT, já!
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